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CARREIRA

Um biomédico na Secretaria do Meio Ambiente
Miguel Porto Neto é assessor do chefe de gabinete e participa do Projeto Município Verde.

biomédico chega ao caixa de supermercado empurrando um carrinho cheio de compras e logo avisa: “Não quero saco plástico!” A moça do caixa e o empacotador olham atônitos, e o biomédico pergunta, simples e direto: “Não tem caixa de papelão?” O empacotador responde que sim e sai correndo para buscar. Enquanto coloca suas compras nas caixas recém-chegadas, o biomédico ainda encontra tempo para tentar conscientizar outros clientes a respeito dos cuidados com o meio ambiente.
“Hoje estou apaixonado pelas questões ambientais”, confessa o biomédico Miguel Porto Neto, o personagem principal da história contada no parágrafo anterior. Assessor do chefe de gabinete da Secretaria Estadual do Meio Ambiente desde o início do ano, Porto participa ativamente do Projeto Município Verde, que já reúne 524 dos 645 municípios paulistas. De acordo com o projeto, as cidades inscritas precisam seguir dez diretrizes (veja quadro) de proteção ao meio ambiente. Do cumprimento das metas depende o total de recursos canalizados pelo governo estadual para o município.
“Damos total assessoria para o município”, explica Porto. “Fizemos um diagnóstico ambiental de cada um deles e agora os prefeitos e secretários nos procuram para saber como fazer para atingir as metas”, acrescenta.

PRIORIDADE — O Município Verde é um dos 21 projetos ambientais estratégicos lançados pelo governador José Serra. “O meio ambiente entrou definitivamente na política do governo estadual”, afirma Porto, que não tem filiação partidária e ocupa o cargo a convite de Ubirajara Guimarães, chefe de gabinete do secretário Xico Graziano. “O meio ambiente agora é prioridade como a saúde, a educação e a segurança”, diz.
O biomédico acredita que a atividade que desenvolve tem tudo a ver com sua profissão. “Saí da Biomedicina? Não! Estou na área ambiental de uma forma profissional”, garante Porto. “Estou vivenciando os problemas ambientais e sugerindo soluções. Isso também é uma questão de saúde pública."

PROTOCOLO VERDE
As dez diretrizes ambientais que o município deve seguir.

  1. Esgoto Tratado — Realizar a despoluição dos dejetos em 100% até o ano de 2010, ou, sendo financeiramente inviável, firmar um termo de compromisso com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, comprometendo-se a efetivar o serviço até o final de 2014.
  2. Lixo Mínimo — Eliminar até 2010 os lixões a céu aberto, promovendo a coleta seletiva e a reciclagem do lixo no município.
  3. Mata Ciliar — Auxiliar o governo na recuperação das matas protetoras dos córregos e das nascentes d’água.
  4. Arborização urbana — Aprimorar as áreas verdes municipais, diversificando a utilização das espécies plantadas, visando atingir 12 m² por habitante.
  5. Educação ambiental — Implementar um programa de educação ambiental na rede de ensino municipal, promovendo a conscientização da população a respeito dos problemas ecológicos.
  6. Habitação sustentável — Definir critérios de sustentabilidade na expedição de alvarás da construção civil, restringindo o uso de madeira da Amazônia e favorecendo tecnologias de economia de água e energia fóssil.
  7. Uso da água — Implantar um programa municipal contra o desperdício de água.
  8. Poluição do ar — Auxiliar o governo no combate da poluição atmosférica, especialmente no controle da fumaça preta dos ônibus e caminhões a diesel.
  9. Estrutura ambiental — Criar um Departamento ou Secretaria municipal de meio ambiente.
  10. Conselho de Meio Ambiente — Constituir órgão de participação da sociedade, envolvendo a comunidade local na agenda ambiental.

Laboratórios a caminho da extinção

té o ano passado, Miguel Porto Neto se dedicava a sua empresa de consultoria, Porto & Associados, tentando relacionar a Biomedicina com a Gestão Empresarial. O biomédico mostra séria preocupação com a situação atual dos laboratórios de análises clínicas, porque as grandes empresas do setor estão cada vez mais concentrando os serviços. “Não há mais espaço para o pequeno e médio laboratório, mas tem espaço para quem for diferente”, prega. Porto acredita que a concentração dos laboratórios é uma tendência irreversível.
“Nos Estados Unidos, com 200 milhões de habitantes, há mil laboratórios. No Brasil, com uma classe média de 20 milhões de pessoas, há 12 mil”, afirma, para provar que a tendência é que cada vez mais laboratórios deixem de funcionar. Este tem sido um tema que Porto explora constantemente em palestras em congressos e em artigos publicados em revistas dirigidas para laboratórios e profissionais da área.
Essa situação atinge diretamente os biomédicos. “Todo mundo se forma e pensa em abrir laboratório ou trabalhar em um”, conta. “Nossa profissão é linda, de futuro, mas não dá mais para fazer o que sempre foi feito”, afirma o profissional, lembrando que a tecnologia evolui rapidamente e hoje é necessário apenas apertar um botão para que o exame seja feito. “O biomédico não será mais necessário para fazer o exame, mas para interpretá-lo, para descobrir novas tendências”, ensina.
Apesar de sua preocupação, Porto confia no futuro da profissão. “Tem muito campo para o biomédico em questões ambientais, em medicina nuclear, na área de relacionamento com os médicos...”, enumera. “Mais uma vez: há espaço para quem souber se diferenciar.”

Da bancada para as empresas

iguel Porto Neto teve um interesse precoce por análises clínicas. “Entrei pela primeira vez num laboratório aos cinco anos”, lembra. “Sempre gostei de Biologia e entrei na faculdade aos 17 anos.” Durante o curso de Biomedicina no Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto, Porto fez um acordo com sua mãe e o período de férias era dividido em dois: metade descanso e metade estágio. “Limpei tubo, limpei bancada... quer dizer, entrei em contato com a profissão cedo.”
No último ano de faculdade (formou-se em 1997), Porto fez estágio no laboratório do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, pertencente à Universidade de São Paulo, onde descobriu algo importante. “Percebi que não era o ambiente que eu queria”, confessa. “Sou extrovertido, não gosto de ficar fechado.” Dentro do HC, conheceu a área comercial, que lidava com equipamentos, e fez muitos contatos.
Formado, foi trabalhar na Labpack do Brasil: “Era contratado como biomédico, mas fazia de tudo: emitia nota, preparava pacote...” Em 98, aos 23 anos, Porto mudou-se para Goiânia para criar a filial da empresa e aproveitou para fazer pós-graduação em Marketing. Depois de mais de um ano de muito trabalho, quando a filial começava a produzir resultados, houve a crise do dólar, em agosto de 1999, e os preços dos produtos da empresa, que eram importados, dispararam.
Em seguida, Porto participou do Congresso Brasileiro de Análises Clínicas de 99, fez contatos com profissionais da Biolab Merieux e, depois de várias entrevistas no Rio e em São Paulo, foi contratado para atender grandes clientes em São Paulo e na Região Sul. Um ano depois, passou a cuidar da carteira de distribuidores, atendendo também a Região Centro-Oeste. “Essa andança me fez perceber que a gestão em saúde no Brasil é precária”, afirma.
Enquanto estava na Biolab, fez MBA na Fundação Getulio Vargas em Gestão Empresarial, adquirindo uma visão técnica de tudo o que já tinha constatado na prática. Seu trabalho de conclusão de curso (TCC) foi um estudo para a criação de uma empresa de consultoria de gestão em saúde. Demitido da Biolab em agosto de 2002, resolveu colocar o TCC em prática e montou a empresa Porto & Associados Gestão em Saúde.
“Na época, o mercado era muito imaturo em gestão empresarial”, avalia. O biomédico montou em seguida a Associação de Laboratórios Clínicos (Alac), que chegou a ter 60 associados. No início, havia dificuldade para os associados entenderem o que era gestão empresarial de laboratórios, mas Porto acredita que, nos últimos anos, o mercado se profissionalizou. Convidado para trabalhar na Secretaria do Meio Ambiente, Porto deixou sua empresa nas mãos de um sócio. Mas continua dando aulas de Gestão Empresarial para Laboratórios no quarto ano do curso de Biomedicina em Ribeirão Preto.

Todo mundo se forma e pensa em abrir
laboratório ou trabalhar em um.
Nossa profissão é linda, de futuro,
mas não dá mais para fazer o que sempre foi feito.
A tecnologia evolui rapidamente e hoje basta apertar
um botão para que o exame seja feito.
O biomédico não será mais necessário
para fazer o exame, mas para
interpretá-lo, para descobrir novas tendências”.

Mário Porto Neto