Alterar o tamanho da fonte:

ESPORTE NO LABORATÓRIO

EXAMES REVELAM DESCASO DE ATLETAS COM A SAÚDE

NOS PREPARATIVOS PARA O PAN-AMERICANO FOI POSSÍVEL IDENTIFICAR AS FALHAS DOS BRASILEIROS COM A PRÓPRIA SAÚDE. EM MUITOS CASOS OS NÚMEROS SÃO PREOCUPANTES.

ais de 5.500 atletas, de 42 países, disputaram o Pan-Americano do Rio, concluído no final de julho, competição em que o Brasil teve seu melhor desempenho da história: 54 medalhas de ouro, 40 de prata e 67 de bronze, totalizando 161 condecorações e o terceiro lugar, atrás dos favoritos Estados Unidos e Cuba. Visando uma contribuição precisa à saúde dos competidores, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), em conjunto com o Hospital do Coração, de São Paulo, patrocinou exames laboratoriais e clínicos em boa parte dos esportistas. As equipes de atletismo, tênis de mesa, boxe, hipismo, judô e basquete, entre outras, passaram por uma bateria de testes.
Desde agosto de 2006, foram atendidos cerca de 500 atletas, que realizaram exames de sangue, raio-X, eletrocardiograma, ecocardiograma, teste cardiopulmonar, ultrassom de abdome, de vias urinárias, entre outros. Quando necessário, submeteram-se também a cintilografia, ressonância magnética do coração e holter.
“As avaliações sempre são importantes, mas a preocupação aumentou nos últimos tempos, após mortes súbitas de atletas. Problemas cardíacos, descobertos precocemente, são passíveis de tratamento. Após a cura, o esportista pode voltar aos treinos. Por isso, é importante não ignorar as alterações e cuidar preventivamente, para evitar o afastamento total da competição”, explica o cardiologista Nabil Gorayeb, coordenador da equipe Sport Check-up do HCor, onde o grupo de cardiologia do esporte do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia já avaliou detalhadamente mais de 6 mil atletas de seleções brasileiras, clubes profissionais e amadores em geral nos últimos anos.

RESULTADOS SÃO ALERTA — Nos preparativos para o Pan foi possível identificar os cuidados e as falhas dos atletas brasileiros com a própria saúde. Em muitos casos, os números são preocupantes. Para se ter uma idéia, 2% apresentaram problemas cardíacos — desde arritmia até suspeita de isquemia coronária — e tiveram de ser afastados parcialmente e/ou precisaram de exames complementares para confirmar suspeitas ou não à existência de cardiopatias graves.
De acordo com levantamento, mais de 40% dos pré-classificados para o Pan nunca passaram por bateria completa de exames, revelando o descaso dos atletas brasileiros. “A falta de preocupação com a saúde é muito relacionada à cultura brasileira”, afirma Nabil. “Os atletas são relaxados. Tenho imensa dificuldade em levar um atleta para o consultório, mas para dar entrevista ou ir a um pagode eles vão correndo”, acrescenta Bernardino Santi, médico da delegação brasileira. “Muitos fazem os exames e, depois, nem vão pegar o resultado.”
Até pouco tempo atrás, era muito raro atletas se submeterem a avaliações detalhadas. A morte do zagueiro Serginho, do São Caetano, em outubro de 2004, durante um jogo contra o São Paulo, pelo Campeonato Brasileiro, colaborou para mudar a mentalidade dos jogadores brasileiros. “Antes, eles fugiam dos exames”, revela Gorayeb, que trabalha com esportistas desde 1971.
No levantamento sobre os atletas do Pan foram diagnosticadas parasitoses intestinais ligadas à ingestão de água e/ou alimentos contaminados, bem como a falta de orientação nutricional, em 6%. No grupo ainda havia 7,6% com colesterol alto, e 15% pecando nos hábitos alimentares. Só 65% apresentaram-se absolutamente saudáveis, o que é uma surpresa se for levado em consideração que os esportistas devem ser sinônimo de boa saúde.
Entre aqueles que foram afastados temporariamente esteve um jovem de 20 anos, Hilton Silva, do atletismo. Ele treina desde os 14 anos e nunca se submeteu a uma bateria de exames clínicos completa. “Em setembro de 2006, fiz os testes e o ergométrico atestou arritmia durante o exercício. Parei por dois meses e, após novos exames, os resultados foram excelentes.” O atleta passou depois por outros exames para saber as causas do problema constatado.
O mesmo aconteceu com Karen Redfern, 43 anos, campeã brasileira de squash e que nunca teve alterações em um check-up — o último ocorrido há seis anos. “Em março, quando passei pelos testes, meus exames cardíacos estavam alterados. Segui treinando normalmente, mas sem excessos. Após os outros exames complementares, o resultado foi então considerado normal. Os médicos disseram que as causas possíveis foram o estresse e alterações hormonais, comuns em mulheres da minha idade, e me liberaram”.
Já Kátia Regina dos Santos, pivô de 23 anos, ficou fora do Pan por causa de problemas cardíacos. A jogadora de basquete apresentou arritmia durante os exames. A atleta já havia passado por avaliações no Hospital Dante Pazzanese durante um ano e meio, até 2006. Uma junta médica a afastou das atividades. “Ela foi orientada a não praticar esporte por causa de uma arritmia com riscos, mas, mesmo assim, foi jogar na Espanha (ficou até março de 2007 no CD Ensino)”, contou Nabil. Kátia diz assumir o risco e pretende voltar a jogar basquete na Espanha no segundo semestre.

ALIMENTAÇÃO PREOCUPANTE — Para Victor Matsudo, coordenador científico do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (CELAFICS), por onde já passaram as ex-jogadoras de basquete Hortência e Paula, a alimentação é preocupante.
“Um dos problemas mais sérios é a falta de orientação alimentar. Dietas pobres em cálcio e ferro precisam de correções imediatas. O ideal é combinar a ingestão de carboidrato, principal fonte de energia, com a quantidade de proteínas”.
Entoando o coro, o fisiologista Turíbio Leite de Barros, biomédico, professor adjunto do Departamento de Fisiologia do Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte da Universidade Federal de São Paulo, destaca que alguns esforços, como se privar de comer o que gosta ou parar de consumir álcool, são essenciais ao desempenho, mesmo porque existem modalidades, a exemplo da ginástica olímpica, que exigem rigidez excessiva com controle de peso”.
A consulta com especialistas tem aberto os olhos de muitos atletas, que, por falta de noções básicas de alimentação, alcançam desempenho inferior ao que poderiam apresentar. Cerca de 15% dos representantes brasileiros no Pan não fazem refeições de maneira correta. No inquérito do HCor, houve esportistas que disseram comer carne no café da manhã, no almoço e no jantar “para ganhar força”.
Matsudo indica sempre a avaliação da aptidão física, considerando aspectos psicológicos, sociais e biológicos. Nesta última, são analisados peso, altura, circunferência, diâmetro e dobras cutâneas, informações que possibilitam um cálculo aproximado das chances de o atleta ser bem sucedido na competição. Também destaca a importância das variáveis metabólicas que avaliam a energia e a resistência, como a potência anaeróbia lática para eventos de curtíssima duração, saltos e dados; potência anaeróbia lática de curta duração, atletismo e natação; e por fim, a potência aeróbica, que é de longa duração e engloba maratona ou corrida extensa e esportes mistos, como o futebol.