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Editorial - SUS: bom projeto, péssima execução


MARCO ANTONIO ABRAHÃO


 

Ações mal planejadas, desarticulação entre os três níveis de governo, burocracia e escassez de recursos estão entre as causas da precariedade do atendimento.

Tem início o segundo mandato do governo Lula. É hora de repensar projetos. Como no caso do Sistema Único de Saúde, de péssimo funcionamento há quase 20 anos. Não dá mais para o SUS continuar como está. Ele precisa ser reestruturado de modo a se transformar em um recurso eficiente para a saúde do País. Saúde, educação e segurança são três setores prioritários, que necessitam de atenção especial e urgente. Vêm sendo insistentemente requisitados pela sociedade, mas não são atendidos pelo Governo Federal.

Apenas um quarto da população brasileira tem condições de dispensar o SUS por dispor de um plano de saúde. Ou seja: 75% da população do País, justamente a parcela que mais necessita de atendimento de saúde, a de renda mais baixa, enfrenta grandes dificuldades de acesso ao sistema. Estes dados foram obtidos por meio de pesquisa recente realizada pelo IBGE.

Criado há 18 anos para atender toda a população, independentemente de sua condição social, o SUS vem sendo um martírio para os brasileiros em geral. O efeito mais cruel da sua ineficiência é a demora no atendimento. Quase que diariamente a Imprensa registra exemplos de pessoas que têm de aguardar meses por uma consulta, exame ou por um tratamento. “Quem mais precisa é quem tem o menor acesso aos serviços”, resume uma pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz ao analisar os resultados da pesquisa do IBGE, em recente reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.

De fato, é profundamente lamentável que, quase duas décadas após a sua criação, o SUS enfrente problemas tão sérios como os que cotidianamente vêm sendo relatados pela mídia e sentidos na pele pela população. E as deficiências não se limitam aos dramas enfrentados pelos pacientes. Também são seriamente afetados profissionais e instituições que prestam serviços ao SUS, sempre pessimamente remunerados. Várias instituições beneméritas e de utilidade pública de muitas cidades fecham suas portas devido a problemas financeiros decorrentes da remuneração indigna que recebem do SUS pelos serviços executados.

Atendimento médico adequado à população de baixa renda é obrigação do Estado. Porém, ações mal planejadas, desarticulação entre os três níveis de governo, burocracia e escassez de recursos estão entre as causas da precariedade do atendimento. Na verdade, o projeto é bom. O problema é colocá-lo em prática. Numa análise fria, poderíamos afirmar que ele atenderia às reais necessidades da população se não houvesse desvios, recursos mal aplicados ou drasticamente reduzidos etc.

A dificuldade maior tem sido na implantação do sistema, que é amplo e bastante complexo. Existe muita interferência, nem sempre os profissionais responsáveis pela execução dos programas são do setor e os objetivos prioritários não são alcançados. Como conseqüência, a diferença entre a proposta e o que é oferecido ao povo brasileiro é absurda.

O Brasil ainda pratica uma medicina curativa, demasiadamente cara, de resultados nem sempre positivos e executada em um período de tempo exageradamente demorado. Se, ao contrário, a preocupação fosse com a medicina preventiva, os resultados seriam outros, mais rápidos e de baixo custo. O problema é que, em não existindo o atendimento primário, há a evolução das doenças e o tratamento acaba chegando a nível de internação hospitalar, onerando desnecessariamente o Estado e, muitas das vezes, atingindo resultados insatisfatórios.

É fundamentalmente necessário, portanto, cumprir o projeto como foi inicialmente elaborado. A reestruturação do sistema precisa ser atacada para que o SUS cumpra a sua missão. A população carente do País pede socorro, quer saúde já, e tem esse direito. E é dever do Estado atendê-la.


Marco Antonio Abrahão

é presidente do Conselho Regional de Biomedicina – 1ª Região