O desafio da Bioética e do Biodireito

A biomédica e advogada Tânia Mara Volpe Mielesupera preconceitos para estudar
as implicaçõesjurídicas das novidades da ciência da vida.

aumento da velocidade do desenvolvimento científico, especialmente da ciência da vida, está gerando questões éticas e jurídicas ainda não resolvidas. Famílias querendo desligar aparelhos que mantêm pacientes vivos, mães pedindo para abortar fetos sem cérebro (e enfrentando a demora do atendimento na rede de saúde pública), casais utilizando as tecnologias de fecundidade assistida (e talvez enfrentando futuramente questões de herança), transexuais fazendo cirurgias para mudança de sexo (e impedidos, pela legislação, de alterar sua documentação) e até a discussão da possibilidade da clonagem humana são questões novas que provocaram o surgimento de duas novas ciências interdisciplinares: a Bioética e o Biodireito.
Uma das pioneiras no estudo dessas questões é a biomédica e advogada Tânia Mara Volpe Miele, presidente da Comissão Especial de Bioética, Biodireito e Biotecnologia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP), na Regional de Ribeirão Preto. Tânia formou esse grupo em 2001, inspirada na comissão que já existia na capital, e no começo enfrentou preconceito dos profissionais da área do Direito. “Mas o que vocês vão fazer, vão estudar a ovelhinha Dolly?”, era a pergunta feita, em tom de sarcasmo, segundo a biomédica.
“Para eles essa discussão era coisa de doido, algo fora da realidade”, explica a profissional. “Mas eu sempre dizia que nós estávamos saindo na frente, porque essas questões, que pareciam ficção, logo se transformariam em realidade.”
O grupo multidisciplinar começou pequeno e com predominância dos profissionais da área da saúde, apesar de ser uma comissão da OAB. “Num determinado momento, tivemos três advogados e seis médicos nas reuniões”, conta Tânia. Aos poucos, porém, essas questões começaram a vir à tona na
“A sociedade tem uma visão do Direito muito engessada: ou algo é crime ou não é, ou o acusado é culpado ou inocente. As normas do Biodireito não podem ser amarradas pelo Direito tradicional, que precisa ser mais maleável e ágil.”
Tânia Mara Volpe Miele


imprensa, culminando com a discussão da clonagem humana, e agora são tratadas com seriedade.
AVANÇOS — “O problema é que a Ciência vai a 300 quilômetros por hora e o Direito vai a 50”, calcula a biomédica e advogada. O Biodireito surgiu para formular as novas questões trazidas pelos avanços técnicos e científicos, visando regular esse desenvolvimento de forma a manter a integridade física e moral do ser humano. “A sociedade tem uma visão do Direito muito engessada: ou algo é crime ou não é, ou o acusado é culpado ou inocente”, avalia Tânia. “As normas do Biodireito não podem ser amarradas pelo Direito tradicional, que precisa ser mais maleável e ágil.”
Pode até não parecer, mas essas questões estão muito próximas da realidade dos profissionais de saúde. “Com o desenvolvimento dessas tecnologias, cada vez mais o profissional da área de saúde fica exposto a questões jurídicas”, acredita. “O biomédico, por exemplo, se enquadra como responsabilidade de fim, isto é, se ele não chegar a um diagnóstico correto, ele errou. Já o médico tem responsabilidade de meio e não pode ser acusado se não houver cura.”

“Com o desenvolvimento das tecnologias, cada vez mais o profissional da área de saúde fica exposto a questões jurídicas. O biomédico, por exemplo, se enquadra como responsabilidade de fim, isto é, se ele não chegar a um diagnóstico correto, ele errou.”

Tânia Mara Volpe Miele
Biomédica supera o próprio preconceito
ânia Mara Volpe Miele formou-se em Biomedicina em 1980 na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, atual Centro Universitário Barão de Mauá, com especialização em Patologia Clínica. Estagiou um ano em laboratório, mas, por questões familiares, nunca exerceu a profissão, apesar de manter durante anos o registro no Conselho Regional de Biomedicina – 1ª Região.
Com os filhos mais crescidos, decidiu estudar Direito na mesma universidade e, após algumas interrupções, formou-se em 1997, com especialização em Direito privado. “Eu mesma tinha preconceito contra pessoas de formações diferentes”, confessa. “Como é que alguém pode ser advogado e biomédico?”, questionava. “Com o tempo, percebi que as duas formações só ajudavam, porque entendo das duas áreas, e hoje há cada vez mais profissionais com duas formações.”
Enquanto fazia faculdade de Direito, sempre tinha presente a questão da Biologia, tentando conciliar as duas ciências. “Quem estudou Anatomia como eu e teve contato com a vida e a morte nunca esquece.” Segundo Tânia, a preocupação do Direito é resolver litígios, o que é mais fácil quando a questão é dinheiro, por exemplo: ou você perde ou você ganha. “Mas quando a questão é vida, saúde, a situação é irreversível e por isso eu pensava em trabalhar no aspecto preventivo.”
Tanto que a sua monografia no fim do curso foi “A responsabilidade civil do médico”.

DOIS PÓLOS — “Nesses estudos, comecei a ver que sempre tínhamos dois pólos, o culpado e a vítima, e que, na área de saúde, a sociedade sempre pensa na vítima como a pessoa que sofreu um dano causado pelo médico ou pelo laboratório”, revela. O que não se percebe, segundo a biomédica, é que o culpado muitas vezes pode ser a vítima, devido à má-fé do paciente, à fragilidade do profissional inserido no sistema de saúde e à falta de orientação específica.
Tânia admite que se distanciou da Biomedicina durante anos, mas voltou a ela pelo estudo da Bioética. Interessada em Medicina Natural, solicitou a reemissão da carteira de biomédica há dois anos, disposta a fazer especialização em Acupuntura.
A biomédica hoje trabalha num escritório de advocacia em que a multidisciplinariedade é a ordem. Tânia é advogada e biomédica e faz pós-graduação em Bioética na Faculdade de Medicina de Lavras (MG). As outras três advogadas no escritório também se dedicam a questões de saúde: uma faz mestrado em Ciências Médicas, outra cursa pós-graduação em Bioética e uma terceira realiza especialização em Gestão Ambiental.

“A sociedade sempre pensa na vítima como a pessoa que sofreu um dano causado pelo profissional ou pelo laboratório. Mas o culpado muitas vezes pode ser a vítima, devido à má-fé do paciente, à fragilidade do profissional inserido no sistema de saúde e à falta de orientação específica.”

Tânia Mara Volpe Miele
II Fórum será em março
esde o início dos trabalhos da Comissão Especial de Bioética, Biodireito e Biotecnologia da OAB/SP em Ribeirão Preto, foram realizados eventos avulsos. Este “trabalho de formiguinha”, na definição da biomédica Tânia Miele, resultou no I Fórum Regional de Bioética, Biodireito e Biotecnologia da OAB, em 2004. “O evento foi realizado na Casa do Advogado, num auditório para 200 pessoas, que ficou lotado durante os três dias”, conta Tânia. O II Fórum será realizado de 28 a 30 de março, com os temas “Células-Tronco”, “Direitos Reprodutivos e Aids” e “Discriminalização do Aborto”.
Outra atividade desenvolvida por Tânia é a coordenação científica do curso de pós-graduação em Bioética e Biodireito, pioneiro na região de Ribeirão Preto e fruto de uma parceria entre o Centro Universitário Barão de Mauá e o Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos. São também coordenadores científicos a advogada Flávia Corrêa Meziara, coordenadora da Comissão Especial de Bioética, Biodireito e Biotecnologia da OAB/SP – Regional Ribeirão Preto, e o médico Sérgio Pereira da Cunha, professor titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. O curso começa em 25 de março e vai até agosto de 2007, com 50 vagas e aulas aos sábados. Mais informações no site www.baraodemaua.br.

 



VOLTAR PARA O SITE VOLTAR PARA O ÍNDICE SAIR / FECHAR