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Análise de regiões polimórficas do DNA com o objetivo de estabelecer vínculos genéticos, identificar restos mortais ou realizar perícias criminais
Andréa Carla de Souza Góes

CRBM 5477
genoma humano consiste de 3 bilhões de nucleotídeos e informação para um total de aproximadamente 40.000 genes. Incluindo DNA espaçador, seqüências sinal e DNA codificante, as seqüências únicas constituem de 70% à 80% do genoma humano. O restante do genoma consiste em seqüências repetitivas não codificantes e de função desconhecida. Seqüências repetidas em tandem constituem aproximadamente 10% do genoma e a unidade varia de 5 a 250 pares de bases, repetida centenas de vezes. Este tipo de região é denominada DNA satélite devido à tendência de formar bandas satélites em centrifugação de gradiente.

Regiões polimórficas do tipo VNTR
Uma fração de DNA repetido consiste de regiões denominadas mini-satélites ou repetição em tandem de número variável (VNTR – “variable number of tandem repeats”). Os VNTRs exibem uma enorme variabilidade e são constituídos de 9 à 100 pares de bases repetidos seqüencialmente em loci cromossômicos.
As primeiras seqüências VNTR descritas tiveram aplicação imediata na área forense, assim como no auxílio ao mapeamento do genoma humano. O termo “DNA fingerprint”, ou perfil de DNA, foi inicialmente concebido por Alec Jeffreys em 1985. O termo demonstra a alta variabilidade destas regiões do genoma, de maneira que seja improvável a existência de dois indivíduos com o mesmo perfil genético, a não ser no caso de gêmeos univitelinos.
Os marcadores VNTR são analisados através da técnica RFLP (“restriction fragment lenght polymorphism”), a qual é baseada em mutações que alteram seqüências no DNA de um indivíduo, de modo que enzimas de restrição podem perder a capacidade de clivar aquele DNA em posições ainda susceptíveis à clivagem nos DNAs de outros indivíduos.
Assim, indivíduos podem ser diferenciados pelo comprimento de seqüências VNTR do DNA gerados após a ação de uma enzima de restrição. O padrão de fragmentos é característico e herdado por indivíduos geneticamente relacionados, uma vez que a localização dos sítios de restrição é típica. Desta forma, por locus, cada sonda hibridiza com dois segmentos de DNA, correspondentes aos alelos materno e paterno de cada indivíduo. A metodologia consiste em extração de DNA genômico e digestão com enzima de restrição. As mais utilizadas são Hae III, Pst I e Hinf I. Em seguida, os produtos da digestão são separados em gel de agarose, desnaturados e transferidos para membrana própria para hibridização, técnica esta denominada Southern-blot. Uma sonda quimioluminescente, ou marcada radioativamente, complementar às seqüências VNTR é, então, utilizada para, através de hibridização, detectar as seqüências alvo. Os alelos VNTR, identificados pelas sondas, são visualizados após sensibilização de filmes de raios-X. A mesma membrana, com o DNA fixado, pode ser utilizada para hibridizações seqüenciais com diferentes sondas, específicas para seqüências VNTR em diferentes cromossomos (figura 1).
De maneira geral, como resultado da utilização de apenas 5 sondas VNTR, são obtidos índices de paternidade/maternidade superiores a 100.000, gerando probabilidades de paternidade/maternidade superiores à 99,999%. Índices tão elevados, observados com a utilização de poucas sondas, são decorrentes da alta variabilidade de loci VNTR.
Durante quase 10 anos, esta metodologia foi empregada para a análise de DNA em casos de paternidade. A análise de regiões VNTR do DNA foi pela primeira vez empregada para resolver um problema de imigração na Inglaterra. Logo em seguida, foi utilizada por um tribunal britânico para comprovar a participação de um suspeito em casos de abuso sexual cometidos entre 1983 e 1986.
Em outro episódio, considerado um constrangimento nacional, o resultado da análise de regiões VNTR foi responsável pela acusação do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton de mentir publicamente ao negar ter mantido relações sexuais com a funcionária da Casa Branca Monica Lewinsky. A vinculação do perfil genético, obtido a partir de uma mancha de sêmen em vestido, com Clinton, foi imediata, já que a probabilidade do perfil obtido era de 1 em 7,8 trilhões de pessoas.
Como desvantagem, a tipagem de alelos VNTR requer DNA íntegro e em grande quantidade (100-500 ng), tornando praticamente inviável a tipagem de amostras biológicas antigas, degradadas ou com pouca quantidade de DNA. Atualmente, a metodologia é pouco utilizada em investigações genéticas.

REgiões polimórficas do tipo STR
As seqüências curtas repetidas em tandem — STR “short tandem repeats” — ou micros-satélites, apresentam repetições com unidade básica de 2-6 pares de base e o polimorfismo, assim como nos loci VNTR, também está baseado no número de repetições. Devido ao pequeno tamanho, geralmente menor que 350 pares de base, alelos STR podem ser analisados após amplificação pela técnica PCR. Esta característica permite que amostras com quantidades diminutas de DNA, ou apresentando alto grau de degradação, possam ser tipadas. Desta maneira, a possibilidade de realizar análise de loci STR superou várias limitações inerentes à manipulação de seqüências VNTR, tornando a tipagem de marcadores STR a metodologia eleita para a tipagem por DNA de vestígios biológicos em geral.
Locus STR analisado individualmente não apresenta poder de discriminação comparável ao locus VNTR. No entanto, a análise conjunta de regiões STR proporciona resultados altamente satisfatórios. Desta forma, na tipagem de regiões STR, através da técnica PCR, são utilizados, usualmente, sistemas multiplexes, onde vários pares de “primers” orientam simultâneas reações de

amplificação, gerando produtos de múltiplos loci. Os alelos amplificados são separados em eletroforese em gel de poliacrilamida.
Com o avanço da tecnologia, foram desenvolvidos processos automatizados para análise de loci STR. Acoplou-se a produção de primers marcados com diferentes corantes fluoróforos e sistemas de detecção a laser em aparatos de separação eletroforética. Os produtos de PCR marcados com fluorocromos podem ser detectados em tempo real mediante eletroforese capilar ou pode-se realizar a detecção pós-eletroforética em escaner de fluorescência (figura 2).
Sistemas para amplificação simultânea de até 16 loci STR já encontram-se disponibilizados para uso corrente em tipagem humana por DNA. Desta maneira, a tipagem, ou identificação de um indivíduo, pode ser realizada em um único tubo, no qual múltiplas reações de amplificação estarão sendo processadas.
Uma seqüência específica dos cromossomos X e Y, denominada amelogenina, também pode ser amplificada simultaneamente em um sistema multiplex, proporcionando a determinação do sexo do indivíduo doador da amostra biológica. A análise automatizada de regiões STR é a metodologia eleita por todos os países para identificação de indivíduos e tipagem de criminosos devido à rapidez, acuidade e alto poder de discriminação conseqüente à análise de múltiplas regiões STR.
Devido à alta sensibilidade e especificidade das reações de PCR em sistemas desta natureza, amostras biológicas contendo DNA até mesmo na ordem de picogramas podem ser tipadas, como por exemplo um fio de cabelo com bulbo ou caspas eliminadas do couro cabeludo.
STRs do cromossomo Y também são analisados. Ao contrário de STRs autossômicos, estes representam um haplotipo, devido à ausência de regiões homólogas no cromossomo X. Este haplotipo é transmitido de pai para filho, ou seja, é perpetuado pelas gerações descendentes. Portanto, a tipagem de STRs de cromossomo Y proporciona o rastreamento de linhagens paternas. A tipagem de STRs do cromossomo Y se mostra extremamente útil em casos de delitos sexuais, nos quais, geralmente, a evidência em análise constitui uma mistura de material genético do agressor e da vítima com quantidades ínfimas da fração masculina.
Atualmente, pode-se afirmar que a análise de polimorfismos do DNA está consolidada cientificamente, e não resta dúvidas de sua importância perante os tribunais. Várias organizações nacionais e internacionais foram criadas para assegurar que a tipagem de regiões polimórficas no DNA seja realizada adequadamente pelos analistas em seus laboratórios. Estes grupos, constituídos por cientistas forenses, têm o objetivo de estudar novos polimorfismos do DNA, resolver problemas de aplicações forenses, padronizar procedimentos e protocolos além de estabelecer um rigoroso controle de qualidade para laboratórios e seu pessoal técnico-científico.
Para a análise estatística dos resultados, é necessário conhecer previamente as freqüências com que são representadas as diferentes variantes alélicas na população. Portanto, bancos de dados devem ser construídos, abordando a distribuição de freqüências destas variantes em distintos grupos populacionais e étnicos.
Em países com grupos populacionais bem definidos, como os Estados Unidos, foram gerados bancos de dados de marcadores genéticos polimórficos para grupos étnicos (raciais) distintos, como negros, caucasianos, hispânicos e orientais. No Brasil, devido à forte miscigenação de raças, foram desenvolvidos bancos de dados representativos da população geral. Foi verificado que a distribuição de freqüências alélicas não parece variar significativamente entre os diferentes grupos étnicos.

Andréa Carla de Souza GóesPh.D., Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Laboratório de Diagnósticos por DNA

Referências bibliográficas
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Figura 1: Análise de região VNTR em teste de paternidade.
A figura mostra
as bandas alélicas resultantes da hibridização de sonda VNTR para o locus D7S467 com fragmentos de DNA obtidos após digestão com enzima de restrição e separados em eletroforese em
gel de agarose.
1: suposto pai.
2: criança. 3: mãe.
4: marcador de tamanho de fragmento. Foi observado inclusão de paternidade neste locus VNTR analisado.
Figura 2: Análise de regiões STR em teste de paternidade. Os picos representam os produtos de amplificação de uma reação de PCR multiplex, onde 3 regiões STR (D3S1358, vWA e FGA) foram analisadas simultaneamente. Os produtos de PCR foram separados em eletroforese capilar.
A primeira linha mostra as escalas alélicas para cada locus. A segunda linha mostra os alelos amplificados da mãe, a terceira linha mostra os alelos amplificados da criança e a quarta linha mostra os alelos amplificados do suposto pai. Foi observado inclusão de paternidade em todos os loci analisados.