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Pobre

Wilson de Almeida Siqueira

odos nós ainda temos presente na memória o último Natal, pois faz pouco tempo e as lembranças ainda estão vivas. É para todos uma data muito festiva e de alguma forma, todos a comemoram. Muitos, porém, nem sabem bem o seu significado.
Para alguns é apenas uma data em que são trocados presentes, em que se come bem e em que muita gente aproveita para se fingir de bom. No Natal, há quem goste de se “vestir” de Papai Noel: abraços aqui, beijos de lá, presentinhos, donativos; como vai a família, etc. Mas quando o Natal passa...
Por falar em Papai Noel, eu também tenho o meu e nesta data sempre o tiro da caixa. Neste ano, porém, quase o destruí, como se ele tivesse culpa de alguma coisa, pois, ao pegá-lo, comecei a pensar nas mazelas da humanidade, na falsidade, no egoísmo, na falta de ética e, assim pensando, quando vi, já havia retirado parte da indumentária do meu Papai Noel.
Foi quando vi pessoas procurando pobres para fazer “caridade”, em lugares humildes, e levando a mídia junto para registrar o fato. Procurando os moradores de rua que estavam sob pontes e viadutos, e que, depois, passando pelos mesmos lugares, e mesmo sabendo que os pobres e humildes continuavam lá, nunca mais olhavam. Talvez só no próximo Natal. Na minha revolta ou mágoa, sei lá o quê, tirei a barba do meu Papai Noel.
Continuei procurando uma razão para tê-lo ali na minha frente representando uma data, para mim tão importante, e não encontrei esta razão. Aí acabei de tirar a vestimenta: o meu Papai Noel mais parecia um Judas.
A cor vermelha da sua roupa (que eu tirara) me lembrava o sangue que todos os dias vemos ser derramado nas grandes guerras ou mesmo nas guerras do dia-a-dia que vivemos, e que ninguém consegue dar um fim.
Pensei também na guerra sem armas bélicas, em que são usadas outras armas, porém tão violentas como as outras, ou seja: a descrença, o desamor, a ganância, a traição, a injúria, a inveja, a língua ferina que destrói o

semelhante, o pisotear nos inocentes.
Pensei no mundo que não reza, que só vocifera, grita e desconhece o valor do ser humano.
Foi aí que vi que o meu Papai Noel realmente estava transformado em um Judas. Eu havia transportado minha ira e insatisfação para ele, que nada tinha a ver. Senti vergonha e comecei a “reconstrui-lo”.
Enquanto eu me dedicava ao mister de recompor o meu Papai Noel, vi que eu havia pensado só nos homens maus e vis, porém, o mundo, felizmente, não é só feito deles. Vi que a força moral de um pode converter dez a ter ética, a ser bom sempre, e a primar pela liberdade, igualdade e fraternidade.
O homem tem livre arbítrio e ele pode ser frutífero também em condições desfavoráveis. O homem não é necessariamente o produto do meio em que vive e, quando quer, mesmo cercado de circunstâncias desfavoráveis consegue ser bom.
Quem é bom em tempo bom é precariamente bom, mas quem é bom em tempo mau é heroicamente bom. Quem só produz frutos em tempos propícios é sábio, mas quem os produz em tempos adversos é virtuoso.
Quando vi, meu Papai Noel estava recomposto. Só que, para meu espanto, era outra figura. Eu, que não sou artista, fiquei surpreso quando vi que, em vez de Papai Noel, eu havia automaticamente feito uma imagem de Cristo. E Ele parecia querer falar comigo, parecia querer responder às minhas indagações, parecia querer conter a minha ira e dissipar os meus pensamentos ruins.
Ele não falou comigo, mas eu “ouvi”: “Eu sou o Natal! Confie e espalhe esta confiança. Só Eu e os homens de boa vontade poderemos mudar tudo para melhor. Como Eu sou o Natal, poderei nascer cada dia na vida de cada um que tiver fé, esperança, coração sincero, amor, moral e ética e assim haverá um novo Natal todos os dias!”
Até a próxima...


Wilson de Almeida Siqueira
é vice-presidente do CRBM em São Paulo e presidente da Comissão de Ética e Docência.